A propósito das exumações que decorreram no ano 2000, na antiga Ermida de Santo António: Quem eram os indivíduos aí sepultados?
A antiga ermida de Santo António, de Monchique, que se integrava na quinta do mesmo nome foi profanada durante o liberalismo oitocentista, altura em que deu lugar a habitação. No ano de 1881 a propriedade pertencia a José Águas e em 1905 era de José António Chula e sua mulher Victória da Conceição, tendo chegado aos nossos dias com a denominação de Quinta da Virgínia.
Nas pesquisas arqueológicas levados a cabo por uma equipa de especialistas, no decorrer do ano de 2000, quando esta casa foi intervencionada e transformada em galeria municipal, foram encontrados nela sete sepulturas, que excedem os cinco enterramentos que encontrámos nos assentos de óbito.
Com base nestas investigações, o Dr. José Manuel da Silva Furtado publicou na edição deste jornal, de 16 de Março de 2001, um artigo onde fala dos sete mortos que na altura foram exumados e em cujo relatório, publicado na internet, não consta os seus nomes.
Pesquisando nos assentos de óbito da freguesia fomos encontrar cinco enterramentos que aqui tiveram lugar, onde se constata que eram todos figuras importantes da oligarquia e governança desta então freguesia do concelho de Silves.
O primeiro indivíduo que nela foi sepultado foi o fundador da igreja, o padre jesuíta Doutor Paulo Duarte Rebolo, falecido a 14 de Julho de 1714. Este tinha nascido em 1644 e foi uma figura proeminente da freguesia, depois de se licenciar em Teologia e Filosofia na Universidade Jesuítica de Évora. Na vila foi vigário forâneo da vara e Comissário do Santo Oficio.
O irmão deste, o também jesuíta Manuel Luís Rebolo, também aqui se enterrou a 9 de Abril de 1727. Era padre do hábito de São Pedro e é referido pelo prior António Figueiredo de Aragão, na “Memória Paroquial” de 1758, como sendo Doutor em Teologia e professor muito conhecido «pelas suas grandes virtudes». Aparece bastantes vezes nos assentos paroquiais a partir de 1688 e possuía escravos, pois a 10 de Janeiro de 1705 faleceu-lhe a escrava Mariana.
Monchique era então terra de jesuítas, que se dedicavam sobretudo ao ensino, mas também à pregação e a reconversão das almas inquietas pelos ideais hebraicos, bem presentes no desterro serrano. Por este tempo havia muita gente que sabia ler e escrever um honra que depois da expulsão da Companhia em 1759 deu lugar a um vazio, que se detecta facilmente nos assentos da casamento, e que depois o liberalismo acentuaria.
Outro dos sepultados na ermida foi o alferes Amador Luís Amado, falecido a 20 de Fevereiro de 1731. Era filho de Francisco Luís Amado e de Inês Alves e casou a 8 de Maio de 1673 com Margarida Martins de Seixas. Foi também casado com Maria Pereira e segundo parece também com Maria Duarte, que faleceu viúva a 13 de Janeiro 1736. Era familiar do capitão do mesmo nome, com patente de 1659, que morava na Portela e era casado com Maria Pacheca, tendo falecido a 21 de Junho de 1708.
A ermida tinha sido entretanto herdada por Alexandre Nunes Duarte que nasceu em 1698, faleceu a 30 de Julho de 1759 e foi sepultado «nesta sua capela», sendo seu testamenteiro o capitão de Ordenanças Diogo Fernandes Duarte (f.1772), que era seu sobrinho. Foi tenente de Ordenanças de Cavalos (ou da Nobreza), autarca, proprietário rural e provedor da Santa Casa da Misericórdia de Monchique.
No ano seguinte a ermida já pertencia ao capitão Diogo Pires Duarte, da Mata Porcas, que também aqui foi enterrado a 19 de Junho de 1760. Este era filho do capitão Manuel Luís Andrés (f.1712), que foi casado com Catarina Nunes.
Os restantes corpos aqui sepultados parecem pertencer a elementos da mesma família, nomeadamente às madres Francisca Rebola e Maria Rebola, que foram superioras do convento feminino de Nossa Senhora do Carmo, que nesse tempo funcionava em Monchique. Ou até a escravos ou criados preferidos desta família.
Adquirido nos últimos anos pela Câmara Municipal, o edifício foi sujeito a intervenção arqueológica, com base nas sepulturas aí encontradas, tendo sido posteriormente recuperado e destinado a galeria municipal de exposições temporárias.
Note-se ainda, que na freguesia havia nesse tempo também a ermida de Santo António, dos Casais, integrada no morgadio do mesmo nome.
Bibliografia:
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José Manuel da Silva Furtado, «Santo António tinha sete mortos», Jornal de Monchique, n.º 2014, de 16 de Março de 2001, p.3.
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O Antigo Morgadio de Santo António dos Casais, em Monchique, 2009.
(Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico)
Foto de destaque: A antiga ermida de Santo António servindo de habitação