Coluna MédicaOpinião

A medicina, a homeopatia e os nossos impostos

A medicina
A medicina é definida como ciência e prática do diagnóstico, tratamento e prevenção da doença, com a aplicação prática de fundamentos científicos das ciências biomédicas e fortemente alicerçado num conceito importantíssimo que é a “medicina baseada na evidência científica”. O referido conceito implica que, independentemente da validade de determinada teoria, tratamentos ou métodos de diagnóstico apenas são aplicados quando existe evidência científica de que funcionam e de que a relação risco/benefício compensa a sua utilização, fortemente alicerçados na melhor investigação científica e na evidência clínica.
Actualmente, qualquer novo tratamento médico, mesmo que apresentado por um reconhecido especialista, não é reconhecido como um opção válida até ser submetido a ensaios clínicos rigorosos.

O efeito placebo e o efeito nocebo
A actual investigação científica clínica impõe a comparação de um novo tratamento proposto ao tratamento usual ou a um placebo. Neste contexto, é importante destacar o “efeito placebo”, que é descrito como o efeito positivo atribuído a um “medicamento” ou procedimento, que não deriva directamente da sua acção farmacológica ou das suas propriedades específicas.
Este fenómeno está identificado há muito tempo, e há cerca de 5 séculos, Paracelso (1493-1541) escrevia nos seus valiosos textos que “deverão saber que a vontade é um poderoso adjuvante da medicina”. Assim sendo, não é surpresa, que antes da adopção do método científico, a própria Medicina tenha utilizado tratamentos duvidosos ao olhar actual. De igual forma, é previsível que algumas pessoas se tenham aproveitado deste fenómeno para vender saúde.
Embora o efeito placebo seja sobejamente conhecido, recentemente tem emergido outro conceito denominado “efeito nocebo”. Este termo é utilizado para descrever reacções prejudiciais ou desagradáveis desencadeadas por um “medicamento” inerte. Embora possa parecer um conceito um pouco estranho, o substrato biológico é semelhante ao efeito placebo e chega a acontecer em 20% das administrações destes agentes inertes.

A homeopatia
Esta prática apresenta-se como medicina alternativa, propondo-se tratar a maior parte das patologias, embora reconheça o seu papel adjuvante, quando se trata de doenças graves. Baseia-se em dois princípios importantes:
Lei dos semelhantes (Similia similibus curentur): As moléculas causadoras da doença são eficazes no tratamento dessa doença.
Dose mínima: Na preparação dos medicamentos homeopáticos, a(s) molécula(s) em soluções aquosas ou alcoolicas são diluídas ad infinitum, até não existir qualquer vestígio da molécula diluída.
Independentemente da crença na validade teórica da homeopatia, para que esta prática pudesse ser considerada uma Medicina, os seus tratamentos teriam que ser submetidos ao método científico e os resultados teriam que ser publicados e revistos numa revista médica reconhecida. Esta seria a única forma dos seus resultados serem devidamente escrutinados pela comunidade científica, comprovando que os seus efeitos terapêuticos superam de forma estatisticamente significativa o descrito efeito placebo. E que adicionalmente, e ao contrário do que se apregoa relativamente à Homeopatia, os efeitos adversos também existem, pois o efeito nocebo é universal e intrínseco a qualquer tratamento.
Baseando-se nas poucas publicações científicas que existem, a National Health and Medical Research Council realizou uma revisão sistemática da literatura científica disponível, tendo concluído:
“Com base na evidência científica disponível sobre a eficácia da homeopatia, conclui-se que não existe qualquer patologia para a qual o tratamento homeopático seja eficaz… As pessoas que escolhem a homeopatia poderão colocar a sua saúde em risco, ao rejeitarem ou adiarem tratamento médico…”
Adicionalmente, é curioso consultar a página de internet do próprio National Center for Complementary and Integrative Health, onde se pode ler:
“A maioria dos estudos concluiram que existe pouca evidência que suporte a Homeopatia como um tratamento eficaz para qualquer patologia”

Os nossos impostos
Até há 2 meses, a isenção de IVA estava prevista apenas na prestação de serviços médicos e paramédicos. Ou seja, o Estado Português decidiu há muitos anos, criar um regime de excepção fiscal, na prestação deste tipo de serviços, cuja eficácia se encontra devidamente comprovada, reconhecendo o seu significativo impacto na saúde e bem-estar da população, assim como na economia do país.
Recentemente, a Assembleia da República decidiu aprovar uma iniciativa do Bloco de Esquerda para isentar de IVA a prestação de serviços no âmbito das terapêuticas não convencionais (Homeopatia, Fitoterapia, Acupuntura, Medicina Tradicional Chinesa, Naturopatia e Quiropráxia). Tratando-se de uma redução de impostos, a decisão foi acolhida sem celeuma mediática. No entanto, numa época em que os constrangimentos orçamentais se fazem sentir em todas as áreas, dinheiro que não entra nos cofres do estado por um lado, terá que entrar por outro… E é importante relembrar que por maiores que sejam os custos de saúde de um cidadão, este apenas poderá beneficiar de uma dedução fiscal em IRS na proporção de 15% do valor suportado, e com um limite máximo de 500 Euros.
Resumindo estas questões fiscais, qualquer que seja o custo da prestação dos cuidados, o benefício fiscal será sempre maior no caso da venda de terapêuticas não convencionais, com a agravante de que não existe qualquer limite para o benefício.

Do ponto de vista médico e sob uma perspectiva de saúde pública, confio mais no perfil de segurança de um “elixir” que não passa de água, do que de um suposto suplemento alimentar anunciado na televisão. Mas a minha aceitação perante este tipo de práticas termina aqui, e penso que equipará-las do ponto de vista fiscal à medicina, além de cientificamente injustificável e politicamente incompreensível, é extremamente injusto do ponto de vista social e coloca todos os cidadãos a pagar as decisões infundadas de uma pequena percentagem da população.

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