«O Filho da Rainha Gorda»
Editado em 2004, «este livro nasceu da vontade de oferecer um presente de Natal aos meus netos», escreve a autora. Chegou a hora da reedição, felizmente, é livro de tratamento esmerado, uma quase história de encantar, não houvesse para ali uma guerra civil, uma morte no parto, um casal real sob a aura do romantismo que a morte levou cedo. A autora sabe do que e de quem fala, tem investigação aprofundada e uma excelente biografia do filho da Rainha Gorda, o desditoso D. Pedro V, ao que parece excecionalmente preparado para a função régia, conhecedor das questões do desenvolvimento e bem a par do estado de pobreza em que se encontrava o Portugal do seu tempo. Há, pois, razões de sobra para iniciar esta leitura, conheça-se bem, ou menos bem, este tempo dos Bragança, história que assim começa:
«Era uma vez uma rainha muito gorda, chamada Dona Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier Paula Isidora Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga. Em menina não era gorda, tinha caracóis como em canudos, fatos de veludo brancos, era neta de um rei ». E a história prossegue em «O Filho da Rainha Gorda», por Maria Filomena Mónica, Quetzal Editores, 2018. A edição é esmerada, as ilustrações num todo a propósito, desde os tocantes desenhos de D. Fernando II, ilustrações do Palácio da Pena, de D. Pedro V com os irmãos, o desditoso casal romântico, insista-se.
É uma história para netos e para as gerações mais crescidas, entenda-se. Temos o itinerário da Rainha Gorda, chegou a estar prometida ao tio D. Miguel, salvou-a a Guerra Civil, casa em primeiras núpcias com um príncipe alemão, Augusto de Leuchtenberg, o alemão durou meses em Portugal, seguiu-se o casamento com D. Fernando Saxe-Coburgo, provou ser culto, saber inserir-se no seu desempenho na Corte, tiveram muitos meninos, logo a abrir a série Pedro de Alcântara Maria Fernando Miguel Rafael Gonzaga Xavier João António Leopoldo Victor Francisco de Assis Júlio Amélio. Deve-se a D. Fernando a compra do Palácio da Pena e uma impressionante intervenção no mundo das artes, inclusive bolsas de estudo, trouxe a árvore de Natal, veja-se só. Parecia um casal imensamente feliz, com aquela filharada toda. Como observa a autora, quando chegou aos trinta anos, a rainha já tinha sete filhos, cinco rapazes e duas raparigas, gostava de acompanhar os filhos enquanto D. Fernando passava muito tempo com os filhos, ensinando-os coisas da jardinagem, a terem uma vida ao ar livre, desde a natação, passando por piqueniques, e os rapazes a caçar. Uma família unida, sempre entretida no Palácio das Necessidades, a autora conta algo que é mesmo para crianças, mais propriamente: «A rainha bordava, D. Fernando arrumava a sua coleção de gravuras antigas e os príncipes brincavam entre eles. Às vezes, montavam peças de teatro, cuja assistência eram os reis e os fidalgos da Corte. Quando ainda era divertido, em pequenino, D. Pedro compôs uma peça cantada, que se chamava Jacó de Berinhão, em que descrevia as aventuras de um papagaio, desde o dia em que fora apanhado no Brasil até à vinda para Portugal. D. Pedro fazia de marquês de Trucutchim, D. Luís do chinês Kimlicó, D. João de rei e D. Maria de rainha».
D. Pedro preparou-se meticulosamente para ser rei, fez viagens de caráter científico, era um jovem e impressionava pelas suas preocupações de estadista. Na sua visita a Inglaterra, fez amizade com o seu tio Alberto, marido da rainha Vitória, daí resultará uma invulgar correspondência, eram dois seres que levavam a função régia muitíssimo a sério. Diz a autora que D. Pedro era diferente do pai, D. Fernando gostava de castelos românticos e igrejas medievais, D. Pedro admirava as estações de caminho-de-ferro, as pontes suspensas e as fábricas modernas.
É um moçoilo de 18 anos que é coroado rei, depois de cerca de dois anos da regência de D. Fernando. É um monarca que se fez rapidamente a mar, usava bigode, tinha uns olhos lindíssimos e desprezava festas. Sem grande motivação, aceita as obrigações do casamento, depois de muitos passos de dança da diplomacia, coube aos reis ingleses encontrarem uma noiva, Estefânia, a segunda filha do príncipe Carlos de Hohenzollern-Sigmaringen. Os noivos nunca se tinham visto, até ela ter desembarcado no Tejo, tinham ambos 21 anos. A jovem rainha é também popular, dedica-se a obras-pias, é cumpridora dos seus deveres, inopinadamente morre de uma angina diftérica, reinara pouco mais de um ano. O filho da Rainha Gorda revela desespero, na Corte insiste-se que deve voltar a casar, D. Pedro foi adiando sempre o projeto do novo casamento. E dois anos depois, após uma caçada em que estava acompanhado dos infantes D. Fernando e D. João, regressaram de Vila Viçosa e começaram a sentir febres altas. D. Pedro V morre em 11 de novembro de 1861, há motins populares, atribui-se a morte do jovem monarca a um envenenamento desse rei tão bom que desaparecia aos 24 anos. Atalhou-se a tempo, D. Luís foi coroado e os motins diluíram-se.
E assim termina esta história para crianças um tanto crescidas e mais crescidos de todas as faixas etárias: «O sucessor do trono, D. Luís, foi, como competia, coroado. E, como sempre, o povo continuou a passar fome, a rezar ou a indignar-se. O rei ‘esperançoso’, como a posteridade lhe chamou, jazia num caixão. O sonho da águia que o levantara e, depois, o deixara cair parecia ter-se tornado realidade. O que, entre outras coisas, prova que um rei com pesadelos é perigoso. Os reis devem ser alegres, casar-se com princesas bonitas, ter muitos filhos, em cada Natal, armar uma grande árvore, com bolas doiradas e fitinhas por cima dos presentes».
Há livros de encantar, pelo miolo e pelo grafismo. «O Filho da Rainha Gorda» é um desses.