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O bater dos corações

Se as palavras caminham é porque têm sede
e querem ser flor espaço e horizonte.
Elas descobrem o seu corpo tocando o indivisível
mas também são sombra de ser corpo sobre um muro branco.

1. ACENOS
A sala estava cheia ­ por dentro, no peito de cada pessoa o coração batia acelerado. Mas também por fora, na alegria do encontro.

Havia uma obscuridade – na sala e no fundo dos meus olhos. Desse nevoeiro hamlético surgiu um homem de braços abertos ao meu encontro. Só quando se aproximou o reconheci: Ó meu “amigo excelentíssimo”, que saudades!… você está na mesma. Sempre com o olhar de quem solta o sentimento. E como vai o Pedrinho? (filho ou neto, não me lembro).

– já são dois, respondeu ele, feliz.
O abraço foi apertado e batido ao som do tambor dos corações. Era o Fernando Alves, da TSF. Amigo mesmo. Numa amizade latejando nas artérias.

As pessoas iam-se sentando, acabando por ocupar os lugares. Caras conhecidas. Acenos.
O abraço amigo que se seguiu talvez não fosse desconhecido para ninguém. O apertar de braços era aquele a que eu estava mais habituado. O sorriso meigo de menino, de há muito tempo, sempre o mesmo – do António…

– ?…

– Claro, do António Manuel Venda!

Eram eles as estrelas que, naquela tarde, iluminavam a sala da Universidade Lusófona.

Mas havia outras, as da Via-Láctea ou das constelações.

Os meus olhos embaciados já não conseguiram reconhecer muitos “brilhos” espalhados pela sala. Com muita honra e satisfação o digo: a maioria dos que escalaram penhascos de granito, saltaram riachos e ribeiras e treparam por troncos de árvores, a maioria cheirava a urze e alecrim, a pedra e a vento e tinha a matriz de montanário. São a nossa gente!

No trocar de um relâmpago entre os olhares de duas pessoas sentia-se o bater do gerador de amor que cada um trazia no peito. E que surdina de batuque. De silêncio. Silêncio de palavras… de palavras mudas que “têm sede de quererem ser flores espaço e horizonte (…) mas também são sombra de ser corpo sobre um muro branco”.

2. EMBRIAGUÊS

Vinda do miolo da terra que somos, da fundura do sentimento, que explosão de luz! Que calor de fogueira! Que montanhas de bem-querer a unirem-nos! Acredita meu amigo, o que estava apagado acendeu-se e explodiu. Com a sinceridade a verdade e o sentimento de quando me exalto pela beleza das coisas, das pessoas inteiras e das palavras.

Desculpa, Eduardo, este homem carente de tantas coisas. Mas que, para sua alegria, ainda se embriaga com “O sabor da vida”….

Escondido entre o tam-tam dos tambores da arca do peito de cada um dos amigos, e na sombra dos iluminados e por detrás da tua simplicidade e modéstia, descontraído e à vontade, lá estavas tu. Aproximei-me para te felicitar, e tu correste para me abraçar. E que abraço meu amigo! Vindo do miolo da terra que somos e da profundidade do sentimento que nos apertava.

Quando falaste, que explosão de luz nas tuas palavras, que calor de fogueira! Que montanhas de bem-querer!

3. COMEÇAR

Como se um mar de folhas
descobrisse o teu corpo
Ouço-te a vida devolvida
à minha vida
Gastão Cruz, in “Rosto”

É isso, caro amigo: ”ouço-te a vida devolvida à minha vida”. E eu, em prosa, não me limitaria ao “mar de folhas” (que é uma realidade) mas também ao mar de pedra que te dá corpo, te dá voz, te dá palavra. E, através destes predicados extraordinários, ouço-te devolver as coisas da vida, da tua vida, à minha vida.

Estás a ver Eduardo? Para te exprimires da maneira que o fazes, é evidente que tens de estar a ver, sentir e estremecer. Porque a tua voz é a voz da Serra que é nossa, num Algarve único, e outro, que é só o nosso. Mas deixa-me que te diga: A tua escrita é simplesmente fantástica, dura, exata, absorvente. Mágica!

Bastou-me agarrar este teu primeiro livro –“Montanário”, para ficar extasiado com a verdade, a precisão, o sentir, o conseguires transmitir o milagre da tua voz! Obrigado Edu, pela dor que me causaste. Embora não tenha sido só dor mas também êxtase, a verdade é que quando andei contigo, de pés descalços sobre o gume das pedras de cada cume, planalto, ou encosta, arranhando e ferindo pernas e mãos com os tojos e silvas, estevas e pequenos troncos secos, mas descobrindo entre cada aberta de “um mar de folhas” o corpo e os azuis do céu e do mar, não eram o teu ou o meu corpo que sangravam, mas sim o nosso sangue fecundando as pedras até ao limite.

Vibro com estas metáforas, mas o teu livro, a tua escrita, são uma tremenda e extraordinária realidade que te irá encher a vida.

Peço-te, meu amigo, não desistas, continua, luta sempre! Com o teu vigor! Com a tua verdade!

Pois se com o teu primeiro livro tu cresceste tanto, te fizeste um homem de letras, com uma dinâmica na voz e uma autoridade de palavra e na frase, irás ser, garanto-te, um dos nossos melhores escritores!

Olha para o belíssimo painel em pedra do Almada Negreiros no átrio da Gulbenkian, e repara como cada risco do universo se cruza com o brilho de tanta gente, de tanta estrela. Tu também lá estás. Neste COMEÇAR

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