Anúncio de delírios

Termos de afirmar e erguer a bandeira “qualquer vida importa” deveria ser motivo suficiente para acordarmos e não deixarmos dormir quem não nos deixa delirar em paz. É o delírio desconcertante no desconcerto do mundo.

São demasiados os milhões de crianças em choque com a guerra. São demasiados os milhões de criança e adultos que morrem nas mãos do ferro e do aço, às mãos que seguram armas, em mãos ensanguentadas saídas de punhos polidos e abotoados com botões de ouro roubado e que vendem ordens de guerra. São milhões os fantasmas que me assombram os delírios. Mas dormem descansados os criminosos. São demasiadas as vidas que tombam por preconceito e ignorância. O mundo perdeu as coordenadas do seu próprio GPS. Ou nunca as teve. Procuram-se fazedores da Paz. Amantes do amor. Paga-se em amor. Trabalho a tempo inteiro. Folgas em lugares onde brotem sementes de criatividade para um mundo onde se viva em paz.

A esta empresa chamo-lhe delírios… Porque os sinto. Porque imperfeitamente sinto e sinto mais e impeço-me de pensar. Se pensar enlouqueço. Ao sentir, deliro em paz. Não me cobro nem me culpo. Nesta empresa apenas se delira, delírios que neste desconcerto do mundo queimam…
anuncio a procura de fazedores da paz, mergulhados em profundos delírios.

e em poesia…
Outros como nós
encolhemos os ombros
ao ouvir falar de outros como nós
imigrantes mortos
com fome de vida
baixamos os olhos
envergonhados
aos mortos, aos abandonados como nós
por outros como nós
ao relembrar imagens de outros como nós
de pijamas às riscas
em valas comuns
deixados em cinzas irrespiráveis
por outros como nós,
abanamos a cabeça
perante fogueiras que queimaram
outros como nós
por outros como nós
fechamos os olhos sem entender, quando lembramos
outros como nós
em galés, escravos amontoados
num misto de sangue, excrementos
e sal de lágrimas
dobrados por outros como nós,
cerramos os dentes ao saber da exploração
de homens, mulheres e crianças como nós
que perderam a inocência
violentados na sua dignidade suprema
por outros como nós,
sentimos o sangue correr quente
de mulheres e crianças
raptadas, violadas, mortas,
deixadas à vontade
de mãos com cheiro a morte
de outros como nós
enquanto pensamos que nada podemos fazer
perante a destruição,
a guerra,
a opressão,
a violência
a fome
que como erva virulenta
se espalha e destrói
na Rússia, no Iraque, na Síria
no Mediterrâneo, na Índia, na Europa,
em África, no Afeganistão
em nome da ganância, do sexo,
do poder, do dinheiro,
numa História longa de sofrimento,
nós os outros pensamos
-este mundo é alheio a nós
relembremos enquanto ainda sentimos vida
prazer e amor
enquanto ainda sonhamos, criamos e deliramos
mundos de poesia, momentos de alegria,
que não morremos
e precisamos acreditar
que precisamos nos salvar
que se matamos, violamos,
violentamos, agredimos
e não agimos,
se não temos a audácia, a coragem
de defender, de honrar
construindo laços
com outros como nós,
enfrentando os demónios
dos outros como nós
saberemos que somos todos nós
responsáveis,
que todos os que somos nós,
do passado, do presente
do futuro
fomos, somos e seremos
um mundo sem triunfo
feito para nós
por nós
e outros como nós
mas sempre nós,
sós.

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